EM BUSCA DA LEITURA PERDIDA

10 de Abril, 2024

Carlos Drummond de Andrade já declarava que "A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede". Falava de uma época em que ainda não havia os gadgets como obstáculo à leitura, por isso, hoje, caso fosse possível, o poeta deprimido e sem vender sonhos talvez tivesse desistido de voar.

Ao perdermos leitores, perdemos também escritores, e não estamos falando aqui apenas da profissão de escritor, mas de qualquer um que precise se comunicar por meio da escrita.

A falta de leitura está formando profissionais desqualificados a qualquer área de atuação: desde professores até médicos, perpassando por todos os atores da sociedade.

O neurocientista francês Michael Desmurget esclarece que, desde o início da humanidade, "o ser humano usa a leitura para estruturar o pensamento, organizar o desenvolvimento do cérebro e civilizar nossa relação com o mundo.

O livro literalmente constrói a criança em sua tripla dimensão intelectual, emocional e social." Em seus livros, "A fábrica de cretinos digitais: o impacto das telas para nossas crianças" e "Faça-os ler! Para não criar cretinos digitais", Desmurget escancara o prejuízo causado com a escassez de leitores e com o uso excessivo dos aparelhos eletrônicos na construção intelectual das crianças.

Talvez torçamos o nariz para o uso do termo "cretino", mas, afinal, quais pessoas estamos formando, ao não oferecermos o alicerce do conhecimento adquirido pelos livros? Ao relegarmos às telas essa hipotética instrução, nos colocamos como coniventes de uma futura sociedade fraca, despreparada e que sofrerá os impactos de sua ignorância na própria pele.

O cenário não é promissor, mesmo na atualidade, porque, se pensarmos nas crianças e adolescentes não leitores e viciados nas telas, estes talvez nem consigam um desenvolvimento propício à conservação da espécie humana, devido aos prejuízos já destacados pelos psicólogos no uso exagerado de tecnologias: dificuldade na aquisição da linguagem, problemas de concentração, aumento da ansiedade e obesidade, falta de interação, empatia, fadiga, insônia, problemas cardiovasculares…entre muitos outros.

Então, podemos duvidar desse futuro caótico, ou acreditar que somos capazes de mudar. Mas a mudança precisa ser para ontem. Incentivem a leitura de suas crianças - conversem sobre atualidades na mesa do jantar, no caminho para a escola - perguntem sobre as redações - plantem a semente do conhecimento, demonstrando a importância de ler e de escrever na sua vida, pois elas que têm os pais e mães como ídolos, desejarão seguir os mesmos passos, não sendo, depois disso, nenhum trabalho hercúleo.

Deem livros de presente, levem-nos para um dia na livraria, faça combinados, como uma hora de leitura por uma de tela, por exemplo. Há esperança, só que ela está nas mãos de cada um de nós.

No Colégio Anglo Morumbi, essa transformação já começou, quando diminuímos o uso de chromebooks e aumentamos o uso de folhas de caderno, aprimoramos o ato de escrever; ao escolhermos atentamente os livros paradidáticos, permitimos a concentração, o raciocínio e a criatividade; e, além disso, desenvolvemos o repertório linguístico essencial aos alunos nas aulas de Produção de Texto e ao discurso de questões dissertativas, típicas da segunda fase dos vestibulares.

Esse retorno aos livros também aconteceu na Suécia que adotava, desde os anos 80, recursos didáticos digitais nas escolas e acompanhou a perda gradativa e preocupante do aprendizado de seus alunos.

Não pensemos que se trata de um retrocesso, até porque sabemos da importância do letramento digital, mas sim de não mexer em time que está ganhando e sempre venceu.

Posso dizer que, em anos como professora de Língua Portuguesa, nunca foi tão desafiador trabalhar com esse nosso patrimônio cultural tão rico, plural e divertido, que é minha ferramenta diária de sobrevivência e que me ajuda no encantamento dos nossos alunos no caminho da imaginação. Enfim, citando o Pessoa, "tenho em mim todos os sonhos do mundo". E vocês? Também os têm?

Professora Débora Nogueira - Professora de Produção de texto